De resto, dormem quando - as moscas?
Nenhum Halley à vista desarmada
dura mais que um domingo de ventania
mas na verdade, gotejada a infância
num desfalque hidrotérmico, o astro 
dobra o cromossoma e descora 
gerações, amores, os seus meandros!
É isso que te digo: a minha alma
é um quarto de hotel entaipado,
martelado pelas várzeas interiores      
que só ao medo medram - citrinos
pelo escuro, made in taiwan?
“Recebi o Halley como um uppercut!”
dizia o meu avô e raramente dizia tudo. 
Se até o Balboa, à chapada do amor, 
desenfia os seus olhos de peixe 
e murmura “Não sei que lhe diga, 
nunca falei com uma porta” - indefeso
o Rocky, sem mando ou esquiva
para essa condição de plantado 
à ombreira de uma veia, knock  knock 
no embaciado vidro das emoções, 
sem fosfeno para as várzeas de dentro - 
há-de ser simples arbitrar entre o medo
e o amor? As evidências multiplicam-se:
a nódoa de ameixa é lixada de tirar,
o Halley ao passar encanece os mortos, 
sangra-lhes de novo o que neles feneceu.
No écran dois punhos arrumam um saco 
de areia, ou reabrem, numa carícia 
surda, os poros ao mundo – e não 
pode uma vitória ao bilhar restituir 
o viço às promessas, que emudecem
desde Adão e Eva? Sim, tudo às vezes
se simplifica, como água entre poldras.
Sim, ostras com milionários à mesa
é um bom título para romance e há
até experiências incorpóreas que antecipam
um despertar. Mas o enigma permanece:
porque nos comove ainda o amor 
quando o coração é uma toalha de mesa 
manchada por uma lauta refeição?
E que sede mata o tique-taque, o caixão 
que desenha a elipse do Halley?
À beira do décimo assalto, lá onde 
as fauces do tigre se oxidam 
no teu hálito, knock knock 
na porta que debita o sentimento?
Repouso a mão na tua, celebro o silêncio, 
não gostas de filmes de boxe mas
está lá tudo: a necessidade de manter 
o sonho mais vigilante que o sono,
os espinhos com que as rosas negam 
inocência à alba, um sentimento 
tão incisivo que ansiamos a trama, os desvios 
que sulcam a brancura da duna. Repouso 
a minha mão no teu sexo, penso 
“as luvas - dormem postas ou na gaveta?
Pode a faca que nos incita à morte 
redimir-nos na humidade?”
Repouso o meu desarme no teu e adivinho 
o diálogo entre dois anjos carnívoros: 
“eu prefiro-os salteados de ilusões 
a ter mortos resignados, e tu?”. Apesar 
de ter falhado o meu Halley, da dislexia
do tempo que só no poema s´aclimata. 
E o quarto entaipado. Vai um round? 
De resto, dormem quando – os náufragos?

 
 
Ele há coisas... estive ontem a rever a minha colecção das Hablar/Falar de Poesia e este foi um dos poemas em q me detive.
ResponderEliminarÉ uma maravilha cotejar as duas versões. Os grandes poetas também se reconhecem nas alterações q fazem ao texto. Trocar magnólias por promessas, hein?
olha rui, nem me lembrava que isto tinha saído na hablar. recordo-me de ter saído na revista da povoa do varzim - se calhar picaram de la e nem me deram cavaco pois ao pampano não o vejo há mais de vinte anos...mas de facto a correcção, também não me lembrava do poema ter magnólias, 'e justa. abraço, cabrita
ResponderEliminarEstá no n.º 6, com data de 2002. É o último q tenho, mas não sei se foi o último q saiu.
ResponderEliminarGostei mais desta versão, se bem q visualmente o preferia em quadras.
Um abraço!
continua a ser em quadras, só que o blogger tem humores... cabrita
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