Vou à despensa buscar um vídeo que tenho de rever. Mais desarrumada que a cabeleira de Deus, a minha despensa é um novelo de encontros improváveis. Entalado entre dois vídeos, ressalta um livro de Ramos Rosa de que me havia esquecido de todo: As Armas Imprecisas. 
É um poeta caudaloso que às vezes sofre de desatenção. Acrescente-se: com a própria. Leio: «Escuta: o mar é um pulso e a sua mão está aberta», e constato que os restantes versos do poema, de menor incandescência, abafam esta imagem. 
Peneiro de outro poema um vislumbre límpido, «um rodopio de aves interpõe-se entre a luz e o lugar», num oceano de algas ferruginosas. 
Que inexplicável suspeita, em relação à sua própria intuição, leva o poeta a esquecer uma regra elementar na arquitectura de jardins: uma árvore frondosa deve ter espaço para respirar, fundo onde se recorte? 
O que, por seu lado, nada tem de ver com a contenção mas com a volúpia da lucidez. 
E, contudo, que saudades tenho de poetas como Ramos Rosa capazes de descentrarem-se!
!

Ponto de exclamação!
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