sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

HONRA À DOR E AO LUTO DO POETA, POR ADRIÃO



Virgílio de Lemos, um dos grandes poetas moçambicanos e um homem que nunca traiu a sua ideia de liberdade, antes e depois da independência de Moçambique (o que lhe valeu a cadeia pela Pide e o exílio voluntário depois da implantação do regime socialista no país) escreveu-me um email devastado: morreu o seu grande amigo Carlos Adrião Rodrigues, com 83 anos de idade.
Adrião Rodrigues esteve umbilicalmente ligado a Moçambique, não só defendendo como jurista muitos presos políticos, depois no apoio à Frelimo e na direcção do Banco de Moçambique, cargo que ocupou por escolha de Samora Machel. Do mesmo se demitiu em 1977, por desacordo com a política do governo da FRELIMO, em particular relativamente à atitude para com as minorias étnicas. Foi então para Portugal, dedicando-se à advocacia.
O essencial é que disse sempre “presente!” quando foi preciso, fosse contra o colonialismo, fosse no momento em que o país novo havia sofrido uma sangria de quadros e técnicos. Com todos os incómodos que a sua reiterada escolha do mais difícil, em cada situação, lhe acarretou.
Que tenha saído por desacordo ideológico e contra décadas de crença e militância na construção de um país diferente só denota a sua honradez.
Não sei que diga ao poeta e à sua dor da perda de um irmão.
Por isso aqui transcrevo um poema de Virgílio de Lemos, escrito uns anos antes da época da sua prisão (62, 63 – por ter desrespeitado a bandeira portuguesa chamando-lhe uma «kapulana verde e vermelha»), quando Carlos Adrião Rodrigues, como advogado, assumiu a sua defesa, o que viria também a fazer com José Craveirinha e Luís Bernardo Honwana. Razão para dizer que a perda é para todos e que é grave omiti-la ou menorizá-la.
Este poema está inédito em Moçambique, tendo unicamente saído no recente «Jogos de Prazer», (Imprensa Nacional/ Portugal)


CABEÇA DE PEIXE

Attention please!

Gato e peixe! Mabandidos fogem
da prisão. Um polícia na grelha!
O cântico ronga na sinagoga sopra
sete frades sem fraldas na cama.
O general a cavalo o temporal
perdido hipopótamo imenso
olhos nos olhos de Mouzinho
a rainha em lágrimas gemia.
Nos bancos do parlamento
Lisboa discute vinho pra preto e libras.
No Chiado os ladrões conversam
com ares de deputados (de putedo).
Aqui anglo-saxões e luso-elefantes
sem dentes caçam a mão-de-obra:
os ladrões de gado no Cabo
das Tormentas traficam champanhes.
Cabeças de peixe caudas de gato
descem os rios sem esperança!


Um grande abraço ao poeta, na dor e na solidão!

1 comentário: